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«Porquê Ler os Clássicos?» – Entrevista a José Rentes de Carvalho

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Porque Ler os Clássicos

Porquê ler os clássicos da literatura portuguesa?
Porque é essencial. Não tomando conhecimento deles, a restante leitura, por muita e variada que seja, fica sempre aquém no resultado. E embora a maioria dos leitores não disponha da bagagem intelectual para aproveitá-los em pleno, vale sempre a pena, é um primeiro e importante passo.
Por volta dos quinze anos recordo ter lido, desinteressado e aborrecido, o Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira. Maravilhei-me quando uns anos depois o reli, ainda o releio, nele continuo a aprender.
 
A definição de clássico está longe de ser consensual. Afinal, o que torna uma obra literária um clássico?
Uma qualidade intrínseca e a resistência aos valores das diferentes gerações, a capacidade de dois, três, ou mais séculos mais tarde despertar o interesse do leitor.
 
Eça e Pessoa continuam a ser bastante lidos, mas nem todos tiveram tal sorte. Que autor português considera que foi imerecidamente votado ao esquecimento?
Camilo não está de todo esquecido, mas é mais citado do que lido. Grande como é merece mais atenção do que a que lhe é dada. Esquecido também, de facto desconhecido, é Arnaldo Gama (1828-1869), autor portuense de romances históricos de grande popularidade no início do séc. XX. De facto foi com ele e com Eça de Queiroz que aprendi a ler.
 
«Prognósticos só no final do jogo», mas que obra contemporânea lhe parece capaz de vencer o teste do tempo e vir a integrar o cânone literário português?
Abstenho-me de responder.
 
Teve recentemente oportunidade de contribuir para «Os Novos Maias», continuação da famosa obra de Eça de Queirós. É importante reinventar o imaginário dos grandes escritores portugueses?
Acho que não. É mais sisudo deixar as grandes obras em paz, e não fazer exercícios de criação em torno delas, pois o resultado inevitavelmente fica aquém, muito aquém. Para a minha contribuição a Os Novos Maias tenho uma desculpa de mau pagador: a de me iludir de que, dessa maneira, prestava uma homenagem pública ao Mestre que muito respeito e a quem muito devo.

J. Rentes de Carvalho (1930), de ascendência transmontana, nasceu em Vila Nova de Gaia, tendo vivido aí até 1945. Frequentou no Porto o liceu Alexandre Herculano, e mais tarde os liceus de Viana do Castelo e Vila Real. Fez o serviço militar em Lisboa, onde simultaneamente frequentou os cursos de Românicas e Direito. Obrigado por razões políticas a abandonar Portugal, viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, New York e Paris, tendo nessas cidades trabalhado para os jornais «O Correio Paulistano», «O Estado de São Paulo», «O Globo» e a revista «O Cruzeiro».
 
Em 1956 passou a viver em Amsterdam, na Holanda, para onde foi como assessor do adido comercial da embaixada do Brasil. Licenciou-se na Universidade de Amsterdam com uma tese sobre «O povo na obra de Raul Brandão». Nessa universidade foi docente de Literatura Portuguesa desde 1964 até 1988. Desde então dedica-se principalmente à continuação da sua obra literária.
 
A sua bibliografia inclui um vasto número de colaborações em revistas, publicações culturais e jornais portugueses, brasileiros, belgas e holandeses, dentre os quais se citam, além dos atrás mencionados: «Diário Popular», «Expresso», «Jornal de Letras» (Lisboa); «O Primeiro de Janeiro» e «Letras & Letras» (Porto); o diário de Bruxelas «Le Soir e Ons Erfdeel» (Bélgica); «de Volkskrant» (de 1989 a 2001); «NRC-Handelsblad» (de 1991 a 2000); «Algemeen Dagblad»; os semanários «Vrij Nederland» e «Elsevier»; as revistas literárias «Maatstaf», «Literair Paspoort», «Nieuw Foundland», «De Gids», «Atlas», etc.
 
Contos, ensaios e outros textos seus fazem parte de diversas antologias literárias e escolares portuguesas e holandesas, destacando-se entre elas: «Seara Hoje», Porto Editora, 1975; «A Hora-2», Porto Editora, 1977; «Meesters der Portugese Vertelkunst», editora Meulenhoff, Amsterdam, 1970; «26 Nieuwe verhalen», editora De Arbeiderspers, Amsterdam, 1984; «28 Nieuwe Verhalen», De Arbeiderspers, 1987; «Hotel in Holland», editora Balans, Amsterdam, 1987; «Goed gebundeld», Meulenhoff, 1988; «Ik herinner mij», De Arbeiderspers, 1988; «Rusteloze reizen», editora Contact, Amsterdam, 1990; «Verre verlangens», Contact, 1991; «Vreemde ogen», editora Prometheus, Amsterdam, 1993; «Reis om de wereld in 80 verhalen», Prometheus, 1995; «Reis om de wereld in 1000 bladzijden», Contact, 1996, etc.
 
Para a editora De Arbeiderspers, de Amsterdam , dirigiu e escreveu os posfácios da edição em língua holandesa das principais obras de Eça de Queiroz.
 
A sua biobibliografia acha-se incorporada desde a 9a edição na Grote Winkler Prins Encyclopedie, a mais antiga (1870) das enciclopédias holandesas.
 
Pela sua contribuição para a cultura portuguesa foi agraciado em Dezembro de 1991 pelo Presidente Mário Soares com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
 
A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia concedeu-lhe em 1992 a medalha de ouro da cidade.

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