Tenho frio e ardo em febre!
O amor me acalma e endouda! o amor me eleva e abate!
Quem há que os laços, que me prendem, quebre?
Que singular, que desigual combate!
Não sei que ervada frecha
Mão certeira e falaz me cravou com tal jeito,
Que, sem que eu a sentisse, a estreita brecha
Abriu, por onde o amor entrou em meu peito.
O amor me entrou tão cauto
O incauto coração, que eu nem cuidei que estava,
Ao recebê-lo, recebendo o arauto
Desta loucura desvairada e brava.
Entrou. E, apenas dentro,
Deu-me a calma do céu e a agitação do inferno…
E hoje… ai! de mim, que dentro em mim concentro
Dores e gostos num lutar eterno!
O amor, Senhora, vede:
Prendeu-me. Em vão me esforço, e me debato, e grito;
Em vão me agito na apertada rede…
Mais me embaraço quanto mais me agito!
Falta-me o senso: a esmo,
Como um cego, a tatear, busco nem sei que porto.
E ando tão diferente de mim mesmo,
Que nem sei se estou vivo ou se estou morto.
Sei que entre as nuvens paira
Minha fronte, e meus pés andam pisando a terra;
Sei que tudo me alegra e me desvaira,
E a paz desfruto, suportando a guerra.
E assim peno e assim vivo:
Que diverso querer! que diversa vontade!
Se estou livre, desejo estar cativo;
Se cativo, desejo a liberdade!
E assim vivo, e assim peno:
Tenho a boca a sorrir e os olhos cheios de água,
E acho o néctar num cálix de veneno,
A chorar de prazer e a rir de mágoa.
Infinda mágoa! infindo
Prazer! pranto gostoso e sorrisos convulsos!
Ah! como dói assim viver, sentindo
Asas nos ombros e grilhões nos pulsos!
Título: Poesias
Autor: Olavo Bilac
Data Original de Publicação: 1888
Data de Publicação do eBook: 2019
Imagem da Capa: Phryné devant l’Aréopage, de Jean-Léon Gérôme
Revisão: Ricardo Lourenço
ISBN: 978-989-8698-55-1
Texto-Fonte: Poesias. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902.