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Folhas Caídas — Almeida Garrett

Folhas Caídas - Capa

Minha Júlia, um conselho de amigo;
Deixa em branco este livro gentil:
Uma só das memórias da vida
Vale a pena guardar, entre mil.
 
E essa n’alma em silêncio gravada
Pelas mãos do mistério há-de ser;
Que não tem língua humana palavras,
Não tem letra que a possa escrever.
 
Por mais belo e variado que seja
De uma vida o tecido matiz,
Um só fio da tela bordada,
Um só fio há-de ser o feliz.
 
Tudo o mais é ilusão, é mentira,
Brilho falso que um tempo seduz,
Que se apaga, que morre, que é nada
Quando o sol verdadeiro reluz.
 
De que serve guardar monumentos
Dos enganos que a esp’rança forjou?
Vãos reflexos de um sol que tardava
Ou vãs sombras de um sol que passou!
 
Crê-me, Júlia: mil vezes na vida
Eu coa minha ventura sonhei;
E uma só, dentre tantas, o juro,
Uma só com verdade a encontrei.
 
Essa entrou-me pela alma tão firme,
Tão segura por dentro a fechou,
Que o passado fugiu da memória,
Do porvir nem desejo ficou.
 
Toma pois, Júlia bela, o conselho:
Deixa em branco este livro gentil,
Que as memórias da vida são nada,
E uma só se conserva entre mil.

Título: Folhas Caídas
Autor: Almeida Garrett
Data Original de Publicação: 1853
Data de Publicação do eBook: 2013
Capa: Ana Ferreira
Imagem da Capa: A Wooded Path in the Autumn, de Hans Andersen Brendekilde
Revisão: Ricardo Lourenço
ISBN: 978-989-8698-14-8

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