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Triste Fim de Policarpo Quaresma — Lima Barreto

Não se sabia bem onde nascera, mas não fora decerto em São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no Pará. Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro. Não tinha predileção por esta ou aquela parte de seu país, tanto assim que aquilo que o fazia vibrar de paixão não eram só os pampas do Sul com o seu gado, não era o café de São Paulo, não eram o ouro e os diamantes de Minas, não era a beleza da Guanabara, não era a altura da Paulo Afonso, não era o estro de Gonçalves Dias ou o ímpeto de Andrade Neves — era tudo isso junto, fundido, reunido, sob a bandeira estrelada do Cruzeiro.


Logo aos dezoito anos quis fazer-se militar; mas a junta de saúde julgou-o incapaz. Desgostou-se, sofreu, mas não maldisse a pátria. O ministério era liberal, ele se fez conservador e continuou mais do que nunca a amar a terra que o viu nascer. Impossibilitado de evoluir-se sob os dourados do Exército, procurou a administração e dos seus ramos escolheu o militar.


Era onde estava bem. No meio de soldados, de canhões, de veteranos, de papelada inçada de quilos de pólvora, de nomes de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava diariamente aquele hálito de guerra, de bravura, de vitória, de triunfo, que é bem o hálito da pátria.


Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais, que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai, as nascentes e o curso de todos os rios. Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do seu rio que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo.

Título: Triste Fim de Policarpo Quaresma
Autor: Lima Barreto
Data Original de Publicação: 1911
Data de Publicação do eBook: 2019
Imagem da Capa: Proclamação da República, de Benedito Calixto
Revisão: Ricardo Lourenço
ISBN: 978-989-8698-59-9
Texto-Fonte: Triste Fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Tipografia Revista dos Tribunais, 1915

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