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«Porquê Ler os Clássicos?» – Entrevista a Eduardo Pitta

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Porque Ler os Clássicos

Porquê ler os clássicos da literatura portuguesa?
Porque sem a leitura dos clássicos, nacionais ou estrangeiros, não é possível acrescentar. Acrescentar no sentido de fazer novo.
 
A definição de clássico está longe de ser consensual. Afinal, o que torna uma obra literária um clássico?
Não sou especialista, mas diria que, em termos absolutos, devêm clássicas as obras que o tempo assim fixou. Mas não sendo o tempo uma entidade abstracta, uma tal “fixação” (ou classificação) pressupõe distância e consenso crítico.
 
Eça e Pessoa continuam a ser bastante lidos, mas nem todos tiveram tal sorte. Que autor português considera que foi imerecidamente votado ao esquecimento?
José de Almada Negreiros. Podia citar outros. (A tentação de citar Mário de Sá-Carneiro é grande.) O facto é que hoje ninguém lê Almada, muito melhor poeta que meia dúzia da sua geração. E nem há desculpa para não ser lido, porque a poesia está editada na íntegra. O Almada que “ficou” é o artista plástico. E ficou por razões laterais: presença em espaços públicos (igrejas, gares marítimas, etc.) e a lenda do performer.
 
«Prognósticos só no final do jogo», mas que obra contemporânea lhe parece capaz de vencer o teste do tempo e vir a integrar o cânone literário português?
A de Agustina Bessa-Luís, ainda hoje muito controvertida.
 
Há alguns anos adaptou O Crime do Padre Amaro para o público jovem, no âmbito da Colecção de Clássicos da Literatura Portuguesa Contados às Crianças, publicada pela Quasi Edições em parceria com o jornal Sol. Em que medida podem estas adaptações contribuir para a educação literária das crianças e, consequentemente, para os seus hábitos de leitura?
Na altura, foram-me dados a escolher dois títulos: A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro, e O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós. Escolhi o Eça e não me arrependi. Ler o Eça é como ler a realidade actual. Nenhum juízo moral pode justificar a interdição (aos pré-adolescentes) de obras canónicas que versem temas “melindrosos”. Um/a miúdo/a que tenha lido a adaptação que fiz, provavelmente terá curiosidade em ler a obra original. Isso é que importa. Eu tive apetência pelo Shakespeare porque muito novo, com 13 ou 14 anos, li as versões em prosa feitas em 1807 por Charles e Mary Lamb, Tales from Shakespeare, traduzidas e editadas em dois volumes pela Portugália. Inexplicavelmente, a obra deixou de ser reeditada no nosso país. Olhe, aí tem um bom exemplo de clássico! Já tenho oferecido, mas vejo-me obrigado a mandar vir pela Amazon.
 

Eduardo Pitta é um poeta, escritor e ensaísta português. Nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, a 9 de Agosto de 1949. Viveu em Moçambique até Novembro de 1975. Actualmente é colunista da revista «LER» e crítico literário da revista «SÁBADO». Escreve e publica desde 1967. Entre 1974 e 2013 publicou dez livros de poesia, um romance, uma trilogia de contos, cinco volumes de ensaio, dois diários de viagem e um livro de memórias. Os títulos mais recentes são «Desobediência» (2011), «Cadernos Italianos» (2013) e o livro de memórias «Um Rapaz a Arder» (2013). Um ensaio sobre a homossexualidade na literatura portuguesa contemporânea, «Fractura» (2003), é considerado por Mark Sabine «the first history of Portuguese literary homosexuality». Participou em encontros de escritores, congressos, seminários e festivais de poesia em Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e Colômbia. Poemas seus encontram-se traduzidos em castelhano, italiano, francês e inglês. Traduzido por Alison Aiken, o conto «Kalahari» foi publicado em 2005 na revista inglesa «Chroma». Eduardo Pitta colaborou e colabora em publicações literárias de vária índole, de Portugal, Brasil, Espanha, França e Estados Unidos. Em 2008 adaptou para crianças o clássico de Eça de Queirós «O Crime do Padre Amaro». Dirige a edição das obras completas de António Botto. Fez crítica literária na revista «Colóquio-Letras» (1987-2005), da Fundação Calouste Gulbenkian; na revista «LER» (1990-2005), da Fundação Círculo de Leitores; e nos jornais «Diário de Notícias» (1996-1998) e «PÚBLICO» (2005-2011). A seu respeito tem-se falado de visão pulsional e agreste da existência, ritmo acelerado, timbre neo-expressionista, pathos autobiográfico, triunfo do recalcado, narrador centrado na identidade sexual do sujeito e, last but not least, hermenêutica gay. Mantém desde 2005 o blogue Da Literatura.

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