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O Cortiço — Aluísio Azevedo

Num só lance de vista, como quem apanha uma esfera entre as pontas de um compasso, mediu com as antenas da sua perspicácia mulheril toda aquela esterqueira, onde ela, depois de se arrastar por muito tempo como larva, um belo dia acordou borboleta à luz do sol. E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de machos e fêmeas, a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-se uns aos outros. E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o Miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas ao sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver o Bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, um exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia, cujos corações conhecia como as palmas das mãos, porque a sua escrivaninha era um pequeno confessionário, onde toda a salsugem e todas as fezes daquela praia de despejo foram arremessadas espumantes de dor e aljofradas de lágrimas.

Título: O Cortiço
Autor: Aluísio Azevedo
Data Original de Publicação: 1890
Data de Publicação do eBook: 2017
Capa: Ana Ferreira
Imagem da Capa: O Violeiro, de José Ferraz de Almeida Júnior
Revisão: Ricardo Lourenço e Miriam Santos Freire
ISBN: 978-989-8698-50-6
Texto-Fonte: O Cortiço. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1890.

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