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Frei Luís de Sousa — Almeida Garrett

Frei Luís de Sousa

MADALENA (enxuga os olhos, e toma uma atitude grave e firme)
 
— Levantai-vos, Telmo, e ouvi-me. (Telmo levanta-se.) Ouvi-me com atenção. É a primeira e será a última vez que vos falo deste modo e em tal assunto. — Vós fostes o aio e o amigo de meu senhor… de meu primeiro marido, o senhor D. João de Portugal; tínheis sido o companheiro de trabalhos e de glória de seu ilustre pai, aquele nobre conde de Vimioso, que eu de tamanhinha me acostumei a reverenciar como pai. Entrei depois nessa família de tanto respeito; achei-vos parte dela, e quase que vos tomei a mesma amizade que aos outros… chegastes a alcançar um poder no meu espírito, quase maior… — decerto, maior — que nenhum deles. O que sabeis da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversação dos homens e dos livros — porém, mais que tudo, o que de vosso coração fui vendo e admirando cada vez mais — me fizeram ter-vos numa conta, deixar-vos tomar, entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa… que outros poderão estranhar…
 
TELMO
 
— Emendai-o, senhora.
 
MADALENA
 
— Não, Telmo, não preciso nem quero emendá-lo. — Mas agora deixai-me falar. — Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém… sem ninguém, e numa idade… com dezassete anos! — em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e protecção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai: e eu… salvo numa coisa! — tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.
 
TELMO
 
— Oh minha senhora, minha senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos…
 
MADALENA
 
— Para essa houve poder maior que as minhas forças… D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (Sinal de impaciência em Telmo.) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berbéria, por todas as séjanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve… Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha d’Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida…
 
TELMO
 
— Senão a mim.

Título: Frei Luís de Sousa
Autor: Almeida Garrett
Data Original de Publicação: 1844
Data de Publicação do eBook: 2016
Capa: Ana Ferreira
Imagem da Capa: D. João de Portugal, de Miguel Ângelo Lupi
Revisão: Victor Cardoso e Ricardo Lourenço
ISBN: 978-989-8698-45-2

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